Neste artigo vamos tratar dos principais aspectos jurídicos relacionados à bioplastia (técnicas de preenchimento) com o uso de substâncias como, por exemplo, o ácido hialurônico, a toxina butolinica ou o polimetilmetracilato (PMMA), com ênfase no dever de informação ao paciente.
O direito classifica as obrigações das empresas, pessoas e profissionais liberais (como médicos e dentistas) em obrigações de meio e obrigações de resultado. Em ambos os casos há o dever de agir com cuidado, prudência e perícia, aplicando-se as técnicas científicas reconhecidas e adequadas. Porém, nas obrigações de resultado, a exigência vai mais além, com o dever de entregar o resultado prometido.
Trazendo para o contexto da saúde, um cirurgião cardíaco não tem a obrigação de garantir a sobrevivência do paciente após a colocação de um stent, mas um cirurgião plástico tem a obrigação de garantir o resultado estético prometido quando coloca uma prótese de silicone nos seios da paciente.
Sobre o tema, a doutrina se manifesta no sentido de distinguir a cirurgia corretiva da estética. A primeira tem por finalidade corrigir deformidade física congênita ou traumática. O paciente, como sói acontecer, tem o rosto cortado, às vezes deformado, em acidente automobilístico; casos existem de pessoas com deformidade da face e outras com defeitos físicos, sendo, então, recomendável a cirurgia plástica corretiva. O médico, nesses casos, por mais competente que seja, nem sempre pode garantir, nem pretender eliminar completamente o defeito. Sua obrigação, por conseguinte, continua sendo de meio. Tudo fará para melhorar a aparência física do paciente, minorar-lhe o defeito, sendo, às vezes, necessárias várias cirurgias sucessivas. O mesmo já não ocorre com a cirurgia estética. O objetivo do paciente é melhorar a aparência, corrigir alguma imperfeição física – afinar o nariz, eliminar rugas do rosto, etc. Nestes casos, não há dúvida, o médico assume obrigação de resultado, pois se compromete a proporcionar ao paciente o resultado pretendido. Se esse resultado, não é possível, deve desde logo alertá-lo e se negar a realizar a cirurgia. O ponto nodal, conforme já salientado (…), será o que foi informado ao paciente quanto ao resultado esperável. Se o paciente só foi informado dos resultados positivo que poderiam ser obtidos, sem ser advertido dos possíveis efeitos negativos (risco inerentes), eis aí a violação do dever de informar, suficiente para respaldar a responsabilidade médica.1
No caso das bioplastias com o uso de técnicas de preenchimento (qualquer que seja a substância) estamos diante de uma obrigação de resultado segundo pacífico entendimento do Superior Tribunal de Justiça, responsável pela última palavra na interpretação da lei sobre o assunto2.
Isso significa que procedimentos de bioplastia mal sucedidos podem gerar a condenação do profissional em (i) danos materiais, consistentes na devolução dos valores pagos pelo procedimento e ressarcimento por consultas médicas, exames e medicamentos, (ii) danos morais pela situação de sofrimento físico e emocional causados e (iii) danos estéticos 3 pela lesão à integridade física do paciente e pelas sequelas com vestígios permanentes, sendo cumuláveis com os danos morais.4
Entretanto, é importante esclarecer que nem toda bioplastia com resultado adverso implica em responsabilização do profissional. Isso porque na obrigação de resultado há presunção de culpa, mas não há responsabilidade automática (objetiva) do profissional . Portanto admite-se defesa, inclusive com isenção da responsabilidade se ficar provado que o profissional não deu causa (por ação ou omissão) ao dano ocorrido nem falhou em seu dever de informação ao paciente. Para isso, existem alguns cuidados prévios e outros posteriores que devem ser observados pelo profissional, conforme passaremos a demonstrar.
Inicialmente devem ser observadas três questões preliminares quando tratamos de procedimentos de bioplastia: (i) somente podem ser realizados por profissionais capacitados e habilitados (médicos e dentistas); (ii) exigem o uso de produtos de qualidade inquestionável5 e (iii) demandam a adoção de técnicas adequadas (local de aplicação, volume aplicado e cuidados pré e pós procedimento).
A não observância destas três questões preliminares invariavelmente gerará direito à indenização, com pouquíssima margem de defesa para o profissional. É o que ocorre com os indefensáveis casos onde o procedimento é realizado por esteticistas (ou outros profissionais), onde há uso de produtos irregulares/não homologados (há conhecido caso de laboratório cujos sócios foram condenados criminalmente por adulteração de produto) ou quando presente a má-técnica (ex. injeção do produto em veia ou artéria gerando obstrução, embolia ou até a morte do paciente).
Mas o que acontece quando, mesmo obedecidos estas três questões preliminares o resultado não sai conforme planejado? O que acontece quando um(a) médico(a), utilizando produto de qualidade comprovada, na dosagem certa, adotando as técnicas adequadas, não consegue entregar ao paciente o resultado esperado? Tudo vai depender da postura do profissional antes e depois do procedimento, com especial ênfase ao quão diligente foi em relação ao dever de informação que possui com seu paciente.
Em primeiro lugar, é fundamental que haja registros adequados no prontuário do paciente, indicando o tipo de produto, a procedência, a dosagem, a técnica aplicada com clara documentação da preparação (pré e pós-procedimento), comprovando a devida perícia, prudência e atenção por parte do profissional. Além disso, é super importante a manutenção de registros fotográficos do antes/depois de cada paciente, pois é comum em procedimentos estéticos que haja algum grau de melhoria, ainda que não seja o ideal, sendo fundamental a prova comparativa nestes casos.
Além disso, caso haja alguma intercorrência indesejada, o profissional precisa agir no pronto e imediato atendimento do paciente, sem medir esforços para minimizar, ao máximo, as consequências do procedimento inexitôso, mesmo que não haja qualquer culpa quanto ao resultado. Muitos profissionais, no primeiro sinal de problema, acabam abandonado o paciente e isso só piora a situação no futuro, além de ser um ato desumano completamente reprovável.
O mais importante, por fim, é a existência de termo de consentimento prévio assinado pelo paciente, onde fique incontroverso sua inequívoca ciência sobre os riscos e possíveis efeitos colaterais do procedimento. Termo que deve conter a informação completa, verdadeira, adequada e escrita de maneira que o paciente consiga compreender, evitando-se o uso de termos técnicos. No cenário ideal, deve-se colher a assinatura do paciente em dois momentos: na primeira consulta e antes da realização do procedimento, comprovando-se assim que o paciente teve ciência dos riscos envolvidos e, além disso, oportunidade para refletir sobre os mesmos. A boa técnica jurídica obtém esse resultado em um documento de apenas uma folha, de fácil compreensão e, por outro lado, contemplando a devida proteção ao profissional.
Não é demais lembrar que na esmagadora maioria dos processos judiciais envolvendo erros em bioplastias é realizada perícia médica, havendo uma prevalência de condenações mesmo quando a perícia comprova a adoção da técnica médica adequada. Nestes casos é justamente a falha no dever de informação sobre os riscos do procedimento que gera a condenação do profissional. Vejamos, por exemplo, a seguinte decisão “Prova técnica que concluiu pela adoção da técnica médica adequada, atribuindo o resultado a uma hipersensibilidade da paciente. Evidenciada, porém, falha no dever de informação sobre os riscos da cirurgia. Hipótese em que o cirurgião plástico aplicou Polimetilmetacrilato (PMMA) desconhecendo os efeitos colaterais da substância que, conforme a ANVISA, incluem as reações alérgicas sofridas pela demandante. Caso em que não foi assinado termo de consentimento prévio, caracterizando a violação ao dever de informação. Dever de indenizar configurado.”6
No julgamento deste recurso, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul deixou claro que “no transoperatório o médico conduziu-se com diligência, injetando o produto na quantidade certa e da maneira adequada. Ou seja, o profissional adotou a técnica correta, sem cometer erro médico por nenhuma das modalidades de culpa, a saber: negligência, imprudência e/ou imperícia. Por outro lado, a alegação da demandante diz também com violação ao dever de informação sobre os riscos da cirurgia, uma vez que o médico não a teria alertado para a possibilidade de o PMMA vir a provocar edema, eritema e nodulações nos locais do preenchimento. O dever de informação é consectário lógico da boa-fé objetiva, obrigando o médico a comunicar ao paciente sobre os possíveis efeitos negativos da cirurgia, sendo-lhe vedado sonegar informações relevantes que tenham o condão de interferir na escolha do consumidor.”
O direito à informação é direito básico de qualquer consumidor (inclusive e principalmente dos pacientes) sendo, em contrapartida, o dever de informar uma obrigação do profissional que presta o serviço. Daí porque, além de todos os cuidados técnicos antes mencionados neste artigo, é fundamental que haja a prova de que o paciente sabia dos riscos do tratamento ao qual se submeteu.
Não é complexo nem tão pouco custoso estabelecer essa rotina na prática clínica. Um termo de consentimento bem redigido (sem excessos nem faltas) , em linguagem acessível, não afasta pacientes. Pelo contrário, torna-se um ponto a mais de avaliação positiva, pois demonstra que o profissional da saúde está atento e preocupado com todo o contexto de proteção de seu paciente, inclusive o seu direito à informação.
Conclui-se, portanto, que para garantia da segurança em relação à procedimentos de bioplastia é necessário observar os seguintes aspectos: (i) realização por profissional habilitado e capacitado (apenas médicos e dentistas); (ii) uso de produtos certificados e de qualidade inquestionável; (iii) adoção das melhores técnicas cientificamente recomendadas; (iv) registros adequados no prontuário do paciente; (v) pronto e imediato atendimento caso haja alguma intercorrência indesejada pelo tratamento e last but not least (vi) termo de consentimento devidamente assinado pelo paciente e arquivado pelo profissional.
Nem todo organismo, devido à singularidade genética que nos caracteriza humanos, reage da mesma forma ao mesmo tratamento. Por isso que por melhor que seja a mão, o produto ou a técnica, o paciente sempre precisa estar ciente dos riscos. Esta é a chave-de-ouro para evitar ou minimizar problemas futuros.
- FILHO, Cavalieri Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil, 6ª ed., São Paulo: Malheiros, 2005, p. 401/403 [↩]
- A jurisprudência desta Corte orienta que a obrigação é de resultado em procedimentos cirúrgicos para fins estéticos. (AgRg no Ag 1132743/RS, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 16/06/2009, DJe 25/06/2009 [↩]
- O dano estético não é apenas o aleijão, mas, também as deformidades ou deformações outras, as marcas e os defeitos ainda que mínimos que podem implicar, sob qualquer aspecto, num ‘afeamento’ da vítima ou que pudessem vir a se constituir para ela numa simples lesão ‘desgostante’ ou em permanente motivo de exposição ao ridículo ou de inferiorizantes complexos. STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil. 5a. Edição, RT 2001, p.1456 [↩]
- Súmula 387 do STJ: É lícita a cumulação das indenizações de dano estético e dano moral. [↩]
- Há diversos produtos inadequados circulando no mercado, seja por serem adulterados, por empregarem matéria prima de procedência duvidosa ou por serem fabricados sem as devidas autorizações legais. [↩]
- Apelação Cível 0068099-56.2016.8.21.7000, julgada em 02/06/2016 [↩]