Erro médico ou apenas uma reação adversa previsível?

3

Neste artigo vamos tratar da diferenciação entre atos/omissões que caracterizam o chamado erro médico (gerando o dever de indenização) daquelas situações de simples, ainda que indesejada, reação adversa previsível/possível ao procedimento (não gerando o dever de indenização). Vamos, ainda, abordar a importância da conduta do profissional, principalmente em procedimentos estéticos relacionados ao uso de implantes líquidos como o ácido hialurônico, o PMMA, etc.

1. Introdução
2. Documentação adequada no prontuário do paciente
3. Comportamento do profissional na gestão da crise
4. Aderência do profissional ao dever de informação
5. Conclusões


1. Introdução

Como vimos aqui neste texto, as obrigações relacionadas à procedimentos estéticos (preenchimentos, bioplastias e cirurgias plásticas) são caracterizadas no direito como obrigações de resultado, sendo dever do profissional entregar o resultado esperado. Diferenciam-se das obrigações de meio onde a entrega do resultado não é exigida, mas tão somente o emprego dos melhores meios para atingi-lo. Por isso que o cirurgião cardiovascular, ao inserir um stent na coronária,  não tem obrigação na sobrevida do paciente. Já o cirurgião plástico, ao aplicar PMMA no sulco nasogeniano, tem a obrigação na melhoria estética no rosto do seu paciente. Mas, como tudo no direito, há a presença do imponderável depende.

Depende porque se ficar comprovado que o cirurgião cardiovascular agiu com culpa (negligência, imperícia ou imprudência) causando a morte do paciente, haverá  o dever de indenizar. Ao passo que se ficar comprovado que o cirurgião plástico agiu sem culpa, dificilmente haverá o dever de indenizar, principalmente se forem tomados alguns cuidados pré e pós-intercorrência, que abordaremos ao longo deste texto. Usamos o exemplo do cirurgião plástico apenas para fins didáticos, pois é ampla a gama de profissionais habilitados para estes tipos de procedimentos.

Muitas pessoas equivocadamente pensam que a responsabilidade em casos de procedimentos estéticos é objetiva, ou seja, independente da análise de culpa. E que, por este raciocínio, profissionais que realizam procedimentos estéticos estariam sempre obrigados à indenizar seus pacientes quando algo acontece fora do esperado. Isso não é verdade! O que nossos tribunais entendem é que, nestes casos, há simplesmente uma inversão da obrigação probatória significando, em linhas gerais, que o profissional precisará provar que não agiu com negligência, imperícia ou imprudência. Resumindo, na obrigação de resultado há presunção de culpa, mas não há responsabilidade automática (objetiva) do profissional.

Procedimentos estéticos mal sucedidos podem gerar a condenação do profissional em (i) danos materiais, consistentes na devolução dos valores pagos pelo procedimento e ressarcimento por consultas médicas, exames e medicamentos, (ii) danos morais pela situação de sofrimento físico e emocional causados e (iii) danos estéticos pela lesão à integridade física do paciente, com sequelas visuais permanentes, sendo cumuláveis com os danos morais.

Condenações que geralmente situam-me em um range entre  R$ 30 a R$ 100 mil reais, podendo atingir valores ainda maiores e, em casos extremos, significar uma sentença de morte profissionalPor isso que recomendamos aos profissionais que tenham o suporte permanente de um advogado de confiança,  para agir preventivamente e reativamente, mitigando sensivelmente a dimensão de seus problemas.

Praticamente inexiste defesa quando o profissional, realmente, agiu com culpa em qualquer uma de suas formas (negligência, imperícia ou imprudência). São os casos, por exemplo, de utilização de materiais de baixa qualidade (no caso do PMMA há conhecidíssimo fabricante condenado criminalmente por adulterar produto) ou de má técnica por parte do profissional, que injeta produto em local inadequado,  em quantidade excessiva ou concentração indevida. Nestes casos o acordo judicial é altamente recomendável, pois a condenação é praticamente certa.

Mas o que acontece quando o profissional age com cuidado, prudência e perícia e, mesmo assim, ocorre um resultado adverso? Lá vem o depende novamente. Tudo vai depender, conforme dissemos linhas acima, dos cuidados pré e pós-intercorrência adotados pelo profissional, classificados em três grandes grupos: (i) documentação adequada no prontuário do paciente; (ii) comportamento do profissional na gestão da crise e (iii) aderência do profissional ao dever de informação.

2. Documentação adequada no prontuário do paciente

Um prontuário completo se transforma numa poderosa ferramenta de prova em favor do profissional. O devido registro do produto utilizado (de preferência com inserção do fabricante e lote do produto) é importante caso o problema não esteja no procedimento, e sim no produto. Guardar as notas fiscais de aquisição dos produtos também é uma prática recomendável.

Além disso o devido registro da técnica utilizada e das quantidades injetadas serão super importantes para comprovar, em um futuro processo judicial, que o profissional agiu com cuidado, prudência e perícia.

Registros fotográficos do antes/depois também são extremamente relevantes, pois muitas vezes o paciente, agindo de má-fé, alega judicialmente não ter obtido o resultado prometido (pretendendo, assim, uma indenização) e somente um bom registro antes/depois poderá comprovar que, diferentemente do alegado, houve uma incontestável melhora no quadro estético do paciente.

3. Comportamento do profissional na gestão da crise

Ninguém gosta quando algo sai fora do planejado. É incômodo e inconveniente para o profissional e, mais ainda, para o paciente que teve sua expectativa frustrada e, ainda por cima, terá que tratar das consequências do procedimento estético que deu errado. É neste momento que a postura do profissional, na gestão da crise, se torna uma importante aliada na mitigação do problema. E também aqui o acompanhamento preventivo e reativo do advogado de confiança é fundamental.

É comum a equivocada percepção, principalmente em cidades pequenas, de que se o profissional acolher o paciente e solicitar exames, isso de alguma forma poderá trazer prejuízos, por que a notícia do procedimento mal sucedido se espalharia exponencialmente.  Embora ninguém queira divulgar procedimento mal sucedido, muito pior é a evolução acelerada e negativa do problema, que muitas vezes poderia ter sido evitada/minimizada com a simples solicitação de exames e adoção da profilaxia recomendada.

A notícia do procedimento mal sucedido se espalha da mesma forma que a conduta do profissional, podendo gerar um efeito positivo ou negativo. É da natureza dos procedimentos estéticos um residual risco de insucesso sendo incontroverso que a conduta do profissional na gestão da crise é fator preponderante de como a sociedade o enxergará. Melhor a imagem de “ela tem resultados incríveis e, se algo dá errado, não mede esforços para resolver” do que “quando precisei, me deixou na mão e olha o estado que fiquei.

Acolher o paciente é o segredo para atenuação das consequências, além de ser a conduta humana e ética indicada. Em momentos de crise, o whatsapp pessoal deve ser fornecido, o atendimento precisa acontecer mesmo que seja domingo véspera de ano-novo e o profissional não deve medir esforços em socorrer-se do conhecimento de seus colegas, caso esteja inseguro sobre como proceder.

E deve haver um cuidado sobre o que é dito e escrito, para que nada seja mal interpretado ou usado contra o profissional no futuro. As palavras tem poder, mas sua distorção atinge potência de destruição nuclear. 

4. Aderência do profissional ao dever de informação 

O remédio anti-tabagismo champix pode gerar ideação suicida. O celebra usado para tratar artrites/osteoporoses pode gerar trombose ou derrame cerebral. Até mesmo a inofensiva aspirina pode desencadear acidente vascular cerebral. Obviamente que no caso de procedimentos estéticos envolvendo implantes líquidos, as chamadas reações adversas também podem acontecer. Elas são, neste sentido, previsíveis/possíveis de ocorrerem.

Por isso que, dentre todos os aspectos, talvez o mais relevante esteja relacionado ao dever de informação, porque o paciente precisa saber que existem elementos imponderáveis relacionados ao procedimento, pois cada organismo pode agir e reagir de maneira adversa.

Por isso que um bom TCP – Termo de Consentimento Prévio (também chamado de TCLE : Termo de Consentimento Livre e Esclarecido) deve deixar cristal clear a possibilidade de não serem atingidos os resultados pretendidos simplesmente porque podem haver reações adversas, variando conforme o organismo de cada indivíduo. Além disso, o TCP deve claramente indicar todo o cuidado pós-procedimento a ser adotado pelo paciente para a garantia do melhor resultado e minimização dos riscos de eventuais problemas. Preferencialmente o TCP deve ser assinado e guardado e, no caso de documento eletrônico, deve haver o inequívoco registro de seu recebimento pelo paciente. 

5. Conclusões

Não há dúvida de que procedimentos estéticos com o uso de implantes líquidos geram uma obrigação de resultado para o profissional, significando o dever de entregar ao paciente o resultado prometido. Nestes casos, embora haja a inversão da obrigação de provar, não existe responsabilidade automática do profissional.

Precisa haver uma clara diferenciação das hipóteses em que houve culpa (negligência, imperícia ou imprudência) gerando, por isso, o dever de indenizar daquelas hipóteses onde houve uma simples, ainda que indesejada, reação adversa previsível/possível, quando não há dever de indenizar. Sempre observando-se os cuidados pré e pós-intercorrência apresentados neste artigo.

O paciente precisa saber que, ainda que raras, reações adversas podem ocorrer no contexto do cuidado com sua saúde, seja no uso de determinado medicamento ou na realização de determinado procedimento, inclusive estéticos. E o profissional, por sua vez, tem a obrigação de informar, minimizando assim, em muito, os riscos de complicações futuras caso algo saia fora do planejado. Se as reações adversas, embora indesejadas, são previsíveis/possíveis, o profissional tem a obrigação de, inequivocamente, informar seu paciente a respeito.

Além do dever de informação, é fundamental a manutenção de um prontuário completo do paciente e a adoção de adequada conduta do profissional na gestão da crise, ambos fatores determinantes da extensão das consequências futuras.

A observância destes fatores, somada a uma boa prática clínica (cuidadosa e prudente)  e a uma confiável assessoria jurídica (permanente, preventiva e reativa) criam a poderosa e desejável estratégia de blindagem profissional permitindo o exercício de seu ofício de forma tranquila, segura e rentável.


Deixe um comentário

Assessoria jurídica completa

Há 45 anos ajudamos pessoas, empresas e startups a prosperarem. Estamos em permanente evolução, ligados em todas as tendências. As leis podem ser as mesmas; os advogados não!

Mais sobre nós

Fale conosco

Rua Anita Garibaldi, 1143, sala 1212, Porto Alegre/RS, CEP: 90.450-001, contato@esteves.net.br

Newsletter

Aqui a gente explica e descomplica o mundo do direito. Será um prazer compartilhar com você.

×